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Mães e profissionais: os desafios da dupla jornada das mulheres

Mariana, Laryssa e Luciana. O que essas 3 mulheres têm em comum? Essas mulheres, que são mães e profissionais, todos os dias enfrentam e vencem os desafios dessa dupla jornada. 

Durante a pandemia da covid-19 essa dupla jornada têm se intensificado cada vez mais. Diversas mulheres começaram a trabalhar em regime de home office e muitas outras tiveram que abdicar de suas profissões para cuidar da família. 

De acordo com uma pesquisa realizada em 2020 pelas organizações Gênero e Número e SOF Sempreviva Organização Feminista, 50% das mulheres passaram a cuidar de alguém durante a pandemia. Esse estudo ainda mostrou que 42% delas eram responsáveis pelo cuidado de outra pessoa sem o apoio de pessoas de fora da família.

Para que você consiga compreender melhor essa difícil situação e essa pesquisa, e para que muitas outras pessoas se transformem de números em histórias reais, vou contar hoje as narrativas de 3 mulheres.  

Crédito: arquivo pessoal


Mariana Cargnelutti atualmente tenta equilibrar o início de uma nova carreira profissional com a criação das filhas. Há pouco mais de 6 meses ela começou a criar conteúdo para sua página do Instagram. Mariana tem 43 anos, é formada em administração de empresas, mãe da Valentina de 4 anos e Antonella de 2 anos. A criadora de conteúdo vive com suas filhas e marido em Itu, interior de São Paulo. 

Crédito: arquivo pessoal

Já a Laryssa Vieira, que é formada em direito, tem 32 anos, fez pós-graduação em direito penal e criminologia, é mãe solo do Theo, que tem 7 anos e é autista. Desde antes da quarentena começar, ela já trabalhava de casa. Os dois moram em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Crédito: arquivo pessoal


A nossa última personagem vive também no interior de São Paulo, na cidade de Bauru. Luciana Pinzan tem 38 anos, divide seus dias trabalhando como ortodontista e cuidando dos filhos: Giovanna, de 11 anos, e José, de 2 anos, além do marido.

A escolha profissional e a rotina com a família

Apesar de ser formada em administração, Mariana trabalhou por pouco tempo na área. Depois que se formou na PUC de Campinas, atuou na empresa do pai e uma imobiliária de São Paulo por alguns anos, até que engravidou pela primeira vez. Hoje não se vê mais trabalhando naquele que foi seu último emprego, pois ele não permitiria que ela estivesse com as filhas, devido à rotina "insana". Agora com sua página no Instagram, mesmo cada trabalho exigindo bastante do seu empenho, o tempo dedicado a cada um é bem menor do que antes. 

E esse negócio de compartilhar conhecimento sobre diferentes temas tem trazido muita satisfação e felicidade para a Mariana. A cada dia, mais e mais pessoas têm procurado por ela. Por isso seu desafio diário é dividir o tempo entre o novo trabalho e a família. 

Quando a Laryssa engravidou, ainda não tinha se formado na faculdade, mas já fazia estágio na área. Depois do nascimento do Theo, imaginou que ficaria um período pequeno em casa e logo poderia voltar ao seu trabalho como contratada. Mas desde que o menino recebeu o diagnóstico de autismo, ela abriu mão da sua profissão para se dedicar exclusivamente a ele.

Crédito: arquivo pessoal
Essa dedicação em tempo integral durou anos, até que, no ano passado, ela conseguiu começar a atender alguns clientes em casa. Quando perguntada se poderia trabalhar em algum escritório de advocacia, ela responde que não daria para voltar àquela rotina, porque atrapalharia seu o dia a dia com o filho, para o qual dá suporte tanto físico quanto psicológico.  


Em busca de aumentar o negócio próprio, a advogada começou uma parceria com duas amigas. Assim como Mariana, ela tenta equilibrar esse novo trabalho, que tem atraído novos clientes, com os cuidados com o filho. “Só de ter um pouco de retorno financeiro já melhora muito a autoestima. Já tenho 32 anos. Tudo o que precisava, tinha que pedir pro meu pai. Essa situação é horrível e me deixava péssima. Se eu conseguir abrir um escritório meu, vai melhorar. Comecei a pegar clientes de fora no ano passado”.

A profissão da Luciana acaba sendo uma grande auxiliadora da sua rotina. Para ter tempo de cuidar dos filhos, a ortodontista fica em casa no período da manhã e de tarde eles ficam com os seus pais. “Quando volto, tenho que dar conta da casa, jantar, é uma loucura. Na pandemia a gente acaba ficando mais estressada tendo o ócio das crianças dentro de casa. A filha mais velha fica estressada porque fazia muita coisa depois da escola”.  

Ela conta que o trabalho é algo realmente muito importante na sua vida e, por conseguir equilibrar seus horários, depois do nascimento dos filhos ficava pouco tempo exclusivamente com eles. Fazia pequenos atendimentos que duravam no máximo 3 horas. 

Por ter escolhido ser mãe, mas também por exercer uma profissão, as críticas e o julgamento são diários. “Se eu tivesse parado de trabalhar, algo ia faltar para mim e os meus filhos. Eu quero que meu filho estude na melhor escola, então tenho que trabalhar. Mesmo se tivesse condições de não precisar trabalhar e ficar apenas com os filhos, não sei se seria totalmente feliz. Afinal, tem a minha individualidade”.

Os cuidados com os filhos 

Crédito: arquivo pessoal
Por conta da rotina do marido, que fica alguns dias fora de casa trabalhando como piloto de avião, a rotina diária de Mariana acaba sendo muito agitada com as filhas, o cuidado da casa e o trabalho. Ela passa o dia todo ocupada, mas reconhece que é privilegiada e é muito grata por contar com o apoio das pessoas que trabalham com ela. 

Para manter a rotina da família organizada, os horários das atividades corriqueiras, como almoçar, jantar, dar banho e dormir, permanecem os mesmos durante a semana. Já aos sábados e domingos, eles ficam um pouco mais flexíveis. E são esses momentos que a criadora de conteúdo aproveita para fazer passeios diferentes com as filhas. 

A energia sobra nessa casa, principalmente com a filha mais velha, ainda mais nas férias. E para distrair as crianças, haja criatividade. “Eu montei uma estrutura na minha garagem com guache, cola, recortes, cartolinas, lápis de cor, massinha. Eu fui pegando um pouco de jeito para fazer essas atividades com as aulas online”.

O dia a dia, apesar de ser bem corrido, traz muitas realizações para a criadora de conteúdo. Ela ama fazer exercícios e comer bem, e fica feliz quando vê que seu exemplo está sendo seguido pelas filhas. As duas imitam a mãe fazendo exercícios e comendo frutas e verduras. A Valentina, que é a mais velha, come doces somente em festas ou passeios -- não porque sinta falta, mas porque são só nesses momentos que eles são oferecidos. Sempre sob supervisão da mãe. 

A rotina da Laryssa, que teve o filho Theo diagnosticado com autismo quando tinha 1 ano e 1 mês, também é pesada. Apesar dos pais e a irmã do meio cuidarem às vezes do seu filho, o dia a dia acaba ficando por conta dela.  

Antes do diagnóstico, a Laryssa desconfiava que algo era incomum nele. Mas depois que o pequeno passou 1 mês na creche, ela foi chamada pela diretoria. A responsável pelo local falou que o Theo não tinha o mesmo desenvolvimento das outras crianças. 

Ao procurar os especialistas, o resultado dos exames do psiquiatra e neurologista foi o mesmo: o pequeno tinha autismo. Graças a esse diagnóstico precoce, o tratamento pôde começar a ser aplicado. 

A advogada, que até antes de ter seu filho não sabia quase nada sobre autismo, teve que aprender muito. No início, lia e ficava mais preocupada, mas sempre comparava as informações que encontrava com o que o Theo fazia, não com outras crianças com autismo. “Eu penso no futuro dele, vejo programas de estudos para autistas estudarem fora do Brasil... Acredito que ele tenha essa competência”.  

Estudo e lazer dos pequenos

Antes da pandemia a Valentina já estava na escola, mas a Antonella não chegou a ir. Durante a maior parte desse período, a filha mais velha participava de aulas interativas gravadas com a ajuda da mãe. Apesar de ter durado menos de 1 ano, foi uma boa experiência para a pequena. 

Quem vê o Theo aprendendo assim tão bem, não tem ideia do como foi difícil para Laryssa garantir esse direito básico à educação. “A sociedade e as escolas não estão preparadas”. Um tempo depois que ele saiu da creche, a mãe tentou colocá-lo em uma escola muito boa da cidade. “A diretora me chamou e disse que o meu filho não tinha autismo, mas falta de disciplina em casa, e que estava ocupando vaga de quem precisava, porque a gente tinha dinheiro. O choque foi tanto com essa resposta que fiquei sem reação”. 

Na segunda tentativa de colocá-lo em uma UMEI, a experiência foi totalmente diferente. Ele frequentou a escola por 1 ano. Após esse período, o Theo entrou em uma escola particular onde ficou mais um ano. Mas o processo para encontrá-la também foi complicado. 

Depois de sair da escola particular com 6 anos, a luta voltou. “Quase matriculei o Theo em uma escola cuja mensalidade era de R$ 3 mil. Mas consegui uma vaga em uma escola que é famosa por ser inclusiva, onde ele frequentou as aulas presenciais por 2 meses antes da pandemia. Durante 1 ano e 3 meses ele fez aula online e agora voltou às aulas mistas. ”

Crédito: arquivo pessoal

O filho mais novo da Luciana, o José, assim como a Antonella, ainda nem sabe o que é uma escola. Já a filha mais velha já está em uma escola integral, das 08h às 17h, por enquanto em modo online. Durante o mês em que frequentou a escola fisicamente, antes da pandemia, fazia todas as aulas e depois ia para suas atividades extracurriculares, como balé e street dance, levada pela mãe. 

Os desafios de ser mãe 

Se doar completamente, dar prioridade para os filhos acima da sua profissão, cuidar em todos os momentos, pensar mais neles do que em você, amar sem limite… Tudo faz parte da vida dessas mães. Mas se encontrar e ter um tempo para si também é importante para manter um equilíbrio na vida.

Crédito: arquivo pessoal

Mariana conta: “A maternidade traz um amor incondicional e você passa a viver pela criança. Mas é importante a mãe ter um trabalho e não dar 100% do tempo para as crianças o tempo inteiro. Estive bem presente na primeira infância delas e agora é a hora de lembrar da Mariana profissional, mulher. É importante encontrar essa identidade”. 

Crédito: arquivo pessoal

Para a Laryssa, em vez de a sociedade ajudar ou até mesmo só compreender e acolher as mulheres que fazem essa dupla jornada, ela cobra. “Acho muito cruel a cobrança da sociedade com a mulher, mas principalmente com a mãe solteira. Falam que a gente tem que dar conta independentemente de qualquer coisa. E também com o filho com deficiência, a sociedade não ajuda na parte financeira. A gente tem que abrir mão de tudo. Graças a Deus eu tenho esse suporte financeiro, mas conheci milhares de mães que não têm”.

Para a Luciana, além de julgar, a sociedade também romantiza a maternidade, e isso só torna a carga da ortodontista ainda mais pesada nesse período de pandemia. “A gente acaba se culpando das coisas que acontecem, ter que sair e deixá-los. Daí deixo de ajudar com uma lição de casa porque tenho que sair de casa. Está sendo bem desgastante”.

Mas ela sabe que essa situação de ficar a maior parte do dia em casa vai acabar. Enquanto isso, ela cuida da casa e dos filhos, e vai estudando e conhecendo outras clínicas. “A gente tem que separar os filhos da gente, para que eles criem independência e identidade própria. Ter um tempo para trabalhar é importante para manter a sua identidade. Mas depois da maternidade, tudo muda, tudo é para eles. O sono não é mais o mesmo... E esquecer de você é algo que acontece com frequência”. 

Comentários

  1. Adorei...
    Três exemplos que só nos acrescentam, eu como mãe, me vi um pouco em cada uma...
    Parabéns

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    Respostas
    1. Fico feliz em saber que você se identificou com essas mães

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  2. Eu ainda não sou mãe e tampouco tenho idade para ser, porém me mostrou uma grande realidade do que às mulheres que além do trabalho, cuidam dos filhos, enfrentam. É uma grande tristeza que pra mulher tudo é um desafio. Tanto o profissional que a cada dia você tem que se empenhar para não ser negligenciada, quanto o ser mãe que muitas áreas de trabalho tem um preconceito com a maternidade. Amei muito a matéria!!

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