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A amiga dos animais

Roberta Guimarães, de 52 anos, advogada com 30 anos de carreira e formada recentemente em medicina veterinária, é um verdadeiro exemplo de que não existe idade para realizar os  nossos sonhos. Sabe aquele sonho que você colocou na gaveta porque não conseguiu realizá-lo dentro do cronograma que gostaria? Inspire-se nessa história e dê o pontapé inicial para começar a viver seu sonho. 

Filha única, ela conta que, por conta da rigidez e dos cuidados da mãe, quando foi escolher qual profissão seguir, não conseguiu ingressar imediatamente no curso dos seus sonhos. 

“Quando fui fazer o vestibular, não tinha faculdade de veterinária em Santos e a minha mãe falou que poderia fazer qualquer curso, mas sem sair da cidade. Então eu obedeci. Me inscrevi nos cursos de administração, economia e direito, passei nas três, e acabei escolhendo direito”.

Durante 30 anos, a amiga dos animais exerceu a profissão de advogada, mas há 6 anos, depois de perder os dois pais e ficar um período com a coluna travada, por conta do estresse e da depressão, Roberta repensou sua vida toda, e relembrou seu sonho de infância. Depois disso, decidiu mudar de profissão. 

No começo, mesmo com muita coragem, ainda tinha um pouco de receio em começar uma nova faculdade. Por isso decidiu fazer um curso de auxiliar de veterinária, para ver se realmente era isso que queria para sua vida. Depois de auxiliar na sua primeira cirurgia, veio a certeza de que realmente ela tinha nascido para cuidar dos animais. Ingressou na faculdade de medicina veterinária e nunca mais saiu da área.

“Desde criança eu ia para cima de todos os bichos, independentemente do tamanho deles. Pegava pomba doente e levava para casa. Quando era adolescente comprei um livro de periquito rico, para aprender sobre a alimentação dele. Sempre tive certeza absoluta de que eu queria seguir nessa profissão.”

Desde o 1º ano da faculdade, fez estágio e tinha a ideia de se especializar em cuidados de gatos domésticos. Por isso fez cursos voltados para essa área durante 2 anos. Mas no 3º ano, durante um estágio obrigatório na faculdade de formação, a São Judas, ela teve contato pela primeira vez com os animais silvestres no CEPTAS (Centro de Pesquisa e Triagem de Animais Silvestres), em Cubatão, e se apaixonou completamente. 

“Hoje em dia existem muitas especializações na medicina veterinária, por isso o mais difícil é escolher. Mas quando o coração escolhe não tem dúvida, a gente vai e pronto, e enfrenta qualquer coisa”.

Depois do final desse estágio, a médica veterinária nunca mais abandonou a nova área. O segundo estágio, que foi no Orquidário Municipal de Santos, durou 1 ano e meio. Depois conseguiu uma oportunidade no DEPV3 (Divisão de Fauna Silvestre) na capital de São Paulo, mas, com a pandemia, tudo fechou. 

Mesmo com toda essa dificuldade, a oportunidade de continuar com o trato de animais silvestres apareceu novamente. Por ter demonstrado muito interesse durante seus cursos, ela foi chamada para  trabalhar em outros 3 locais, entre eles o Zoo de Guarulhos onde foi selecionada para  fazer estágio obrigatório. 

Em outubro foi chamada para estagiar no CEMACAS (Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres), até se formar como médica veterinária. O aprendizado foi imenso durante o período que passou pelo local. Afinal, eles recebem muitos animais por dia, e diversos ficam internados. Para dar conta de todo esse trabalho, o espaço tem muitos estagiários e veterinários. 

Apesar de tudo dizer que não ia dar certo, a pandemia, a idade de formação, todo esforço, garra e um ótimo trabalho (inclusive com publicações científicas na área de animais silvestres) foram reconhecidos quando Roberta foi convidada para ser a veterinária responsável por cuidar do CePTAS (Centro de Pesquisa e Triagem de Animais Selvagens) da universidade onde se formou. 

Nesse novo trabalho o descanso não tem vez: a parte administrativa, de cuidado com os animais e o ensino dos estagiários é por conta dela. Até em iniciações científicas e atividades práticas dos estudantes já foi convidada para ajudar. Mas isso não a preocupa, porque o que a nossa personagem mais quer é continuar cuidando dos animais silvestres. 

“Na faculdade a gente vê pouco a parte de silvestres, então o meu diferencial é que fiz muito estágio. Desde que comecei não parei, fui para lugares bons, conheci bons profissionais que me ensinaram muito”.

Aperfeiçoando para melhorar o cuidado dos animais

Apesar de toda a experiência, ela quer continuar estudando e se especializando. Já começou uma pós on-line em farmacologia veterinária em janeiro e em breve quer iniciar outra em clínica e cirurgia, mas de uma forma presencial. Além disso, em algum momento quer estudar também homeopatia e reabilitação em animais.  

Desde que começou a faculdade, pensava que a idade fosse ser um empecilho, mas se surpreendeu porque aconteceu o contrário. Foi muito bem recebida pelos colegas e professores da faculdade, e eles ficaram admirados com sua dedicação e a responsabilidade. 

Com relação ao trabalho com os animais silvestres, desde que começou o estágio é o mesmo. O que mudou foi a rotina do local, o tamanho da equipe e a responsabilidade. Em geral os bichos vêm pela GCM e por apreensões da polícia ambiental. Muitas vezes estão machucados devido a uma colisão com veículo ou atritos com animais domésticos. Depois desse recebimento, é feita uma triagem da situação do animal, e dependendo dela, ele vai poder voltar para a natureza ou será preciso ser encaminhado para algum zoo ou mantenedouro (legalizado), e com isso o manejo vai ser diferente. Quando eles não podem voltar para natureza, o cuidado vai ser mais próximo, já que serão tratados por um ser humano durante o resto da vida. 

Na rotina do trabalho da Roberta, há a verificação diária de  qual será a temperatura do ambiente, quais alimentos serão dados para cada tipo de animal, dependendo da indicação das pesquisas. Também existe uma divisão diária, de qual bicho será analisado clinicamente ou sanitariamente. 

Hoje em dia, o CePTAS tem mais de 100 animais e a cada dia chegam mais e mais. Com a pandemia, a burocracia tem dificultado mais ainda o encaminhar do bichinho para o local indicado, depois da sua recuperação. “Mesmo que o animal esteja apto para soltura, a gente não pode fazer nada, porque é a polícia ambiental que pega a guia de soltura e faz a ação”. 

Além da cirurgia em animais silvestres, que a Roberta já auxiliou em diversas ações, a reabilitação é outro trabalho que chama muito a sua atenção. Em um dos locais onde trabalhou, ajudava a reabilitar os animais machucados, e até chegou a publicar um trabalho científico sobre uma situação em que atendeu um periquito rico. “Ele chegou sem mexer os membros pélvicos fizemos um trabalho de fisioterapia e, após isso, ele voltou a andar”.

Para a amiga dos animais a melhor recompensa é acompanhar o animal voltando para a natureza. “Por incrível que pareça, ele sempre olha para trás, como se estivesse agradecendo. E um pedaço do coração vai junto. Dá uma sensação de liberdade. Tudo que a gente faz, os plantões, ficar sem dormir, trazer filhote para alimentar em casa, naquele momento faz valer a pena. A gente sabe que não vai salvar todos, mas o que conseguimos salvar já dá um alívio”.

A tristeza de quando não conseguir salvar os animais enche o coração da veterinária. Muitas vezes aqueles que chegam em estado grave, atropelados, ou que não vão ter uma uma recuperação após uma cirurgia, sofrem eutanásia. Mesmo que ela tenha consciência de que fez tudo o que poderia ter feito, do melhor jeito, sempre se culpa. Mas nem todos têm essa consciência e acabam ficando extremamente depressivos.   

Dificuldades existem em qualquer profissão, e durante os períodos em que trabalhou em órgãos públicos, Roberta teve problemas quando o assunto era verba. Nem sempre aquela que chegava era suficiente para atender a todos os animais, mas isso, em vez de atrapalhar, trouxe muito benefício. “A gente aprende a lidar com outras coisas. A pesquisa científica indica o que o animal precisa, mas quando a gente não tem aquele certo medicamento ou alimentação, a gente trabalha com o que tem no momento para atender a necessidade do animal, fazendo substituição”.

Cuidado é outra palavra de ordem para as pessoas que cuidam de animais silvestres. Apesar disso, existe sempre uma margem de acidentes que podem acontecer. Afinal, cada animal reage de uma forma quando está sob os cuidados do ser humano. “Para seguir com a especialização de animal silvestre, ou o veterinário ama ou ele odeia. Ou ela se identifica com aquilo ou vai falar ‘aquilo não é para mim’. Diferentemente de uma clínica comum, os animais chegam e depois vão embora, e será o tutor que fará tudo.  Já lá onde trabalho, a gente faz tudo. Enquanto o animal estiver lá, será a nossa responsabilidade”.

Para manter essa rotina agitada, a médica veterinária conta com o apoio dos 3 filhos, que também amam e ajudam a cuidar dos animais. Apesar dissom não quiseram seguir na mesma profissão. “Já tinha desistido de realizar esse sonho e falava que não faria mais, mas minha filha mais velha falou ‘você tem idade ainda, arregaça as mangas e vai’."

Olhando em retrospecto, ela não se arrepende de ter sido advogada. Mas com certeza o gosto de poder realizar seu sonho foi totalmente diferente. “Eu quero fazer duas pós ao mesmo tempo. Não é um estudo, é uma vontade. Quero salvar mais vidas, não é uma obrigação. E eu tô fazendo algo inédito! Recém-formada, no meio de uma pandemia, sendo a veterinária responsável pelo CePTAS. Eu sempre quero fazer o melhor pelos animais, e não encaro como uma profissão, mas como uma missão de vida. Me doo totalmente e por isso acho que dá certo. Porque é por amor”. 

Crédito das fotos: arquivo pessoal/Roberta Guimarães

Errata: O conteúdo foi alterado às 12h45 do dia 09 de julho. 


                                                                                   


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