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A importância da doula: “Todas nós merecemos partos cheios de respeito e segurança”

Acolhimento, atenção, cuidado atento e contínuo: esse é o verdadeiro significado de ser doula. É com ela que você vai poder contar e se apoiar, além do seu acompanhante, antes, durante e depois do seu parto. 

O parto, esse momento único na vida de uma mulher, é motivador por trás da escolha de duas doulas, a Jessica e a Flora. Não foi só o conceito do parto o responsável por essa decisão, mas por terem tido seus próprios partos. Através de suas experiências como mães é que elas chegaram à decisão de que queriam ser doulas. 

Para a doula e educadora perinatal Jessica Toregiani, de 27 anos, o seu primeiro contato com o parto não foi uma boa experiência. Ela queria muito um parto natural na primeira gestação, por isso se informava muito sobre o assunto e chegou à conclusão de que não precisava de uma doula. 

A gestação passou e, quando ela chegou a 35 semanas, depois de uma consulta de rotina em um hospital do convênio, acabou sendo internada e seu filho nasceu de cesariana. A indicação de diminuição de líquido amniótico fez com que ela precisasse fazer reposição do líquido. Após essa ação, ela acreditava que iria embora e aguardaria em sua casa até que seu filho desse sinais de que estava pronto para nascer. Mesmo com o resultado positivo, outro exame mostrou um possível problema, mas os médicos não repetiram o exame antes de interná-la. 

Resultado: uma cesariana nada humanizada e o pequeno Pedro, que nasceu prematuro, ficou na UTI por cerca de 6 dias. “Eu fui embora do hospital extremamente traumatizada, pelo luto do parto não vivido, e ainda com a sensação de ter caído no golpe da cesárea”, diz Jessica.

Para não acontecer a mesma coisa, na segunda gestação, quando ainda estava com 8 semanas, ela achou uma doula com a qual se identificava e contratou uma equipe de parto particular. Resultado: Cecília nasceu de forma natural e o seu parto acabou sendo a melhor experiência da Jessica. 

Funcionou como um importante curativo para seu primeiro parto. Com isso ela percebeu o quanto o acompanhamento de uma doula era importante, e quis que ele chegasse a muitas outras mulheres. “Sou doula porque eu amo parto! É um momento de imensa transformação em cada família, é presenciar a maior obra da natureza, o parir. O nascer é sempre o começo de uma nova jornada e isso me dá esperança.” 

Apesar de ser bióloga, nunca atuou na área depois de formada, por isso a profissão de doula serviu como uma oportunidade para fazer algo que gostava, ajudando outras mulheres enquanto trabalhava dentro de casa, cuidando dos filhos. 

Assim como a Jessica, a Flora Térra, de 34 anos, foi extremamente impactada pela ação de uma doula. Mesmo tendo se formado em psicologia e gostando da profissão, ela não amava o que fazia, não tinha paixão. Foi durante seu primeiro parto, enquanto era assistida pela primeira vez por uma doula, que ela viu naquele exemplo a profissão que gostaria de seguir.  

“Em 2016 a maternidade chegou me trazendo, além de todas as transformações inerentes a ela, a luz que eu tanto procurava em relação ao meu caminho profissional. A importância que a doula teve neste dia e a minha identificação com esse papel pulsou forte.” 

Crédito: Arquivo pessoal

Depois do parto, ela passou a estudar bastante sobre o tema e o papel da doula. Passados 9 meses, virou mãe novamente. Mas a vontade era tanta de começar a trabalhar nessa área, que, ainda grávida de 7 meses, trabalhou como doula pela primeira vez no parto de uma amiga. Quando Ravi, o segundo filho, cresceu um pouco, Flora mergulhou de cabeça no mundo da doulagem. 

No início de 2019, foi chamada para integrar a equipe dos seus sonhos. Ela trabalharia com mais duas doulas e duas enfermeiras. As doulas servem como backups (reservas);afinal, a rotina dessa profissional é completamente fora dos padrões, atendendo partos de madrugada, sem horário para voltar para casa e precisando estar atenta para tirar as dúvidas das futuras mães. 

Rotina de trabalho

Para que mais e mais mulheres possam ter partos humanizados é que essas duas profissionais trabalham todos os dias com vontade, amor e muita responsabilidade. Apesar disso, não foi desde o começo da profissão que Jessica conseguiu proporcionar humanidade e cuidado nos partos que acompanhou, mas não por sua culpa. “Já atendi em maternidades que hoje em dia não atenderia mais, porque não são humanizadas, e nesses locais é onde senti uma hostilização da doula e também onde todos os partos que acompanhei foram cesarianas.”

Depois desses momentos ruins, passou a atender em outras maternidades onde existia respeito com a doula e a gestante. O fato de saber se posicionar como profissional, respeitando o papel de cada um no momento do parto, também foi essencial para manter um bom ambiente de trabalho. 

Crédito: Arquivo pessoal

Já a Flora encontra um outro ambiente em Fortaleza. Ela diz que o parto humanizado e o trabalho da doula são bastante conhecidos na cidade, por isso nunca foi desrespeitada enquanto trabalhava. 

Para dar conta de tirar dúvidas, acompanhar os partos e pós-partos, as duas profissionais tentam atender no máximo 5 mulheres por mês. E quando o assunto é o tempo que as mulheres começam a procurá-las para acompanhar seus partos, esses períodos são similares. 

Elas contam que existem as ansiosas, que as procuram antes de engravidar; tem aquelas que acham as doulas no início da gravidez; mas as enroladas acabam chegando com 34 semanas. A Flora contou que já atendeu uma grávida de 40 semanas. Por conta da pandemia, Flora e Jessica fazem seus atendimentos às gestantes e seus acompanhantes de forma on-line. E elas dividem seus encontros em 3 momentos. 

No primeiro encontro, Jessica, que mora em São Paulo, fala sobre as fases do parto; no segundo, sobre as intercorrências e o plano do parto; e no terceiro, sobre o pós-parto, depressão pós-parto, baby blues, amamentação, e outros temas. 

No primeiro encontro, a Flora fala sobre as expectativas de partos e histórias de partos na família, com objetivo de criar um vínculo com as futuras mães. No segundo, assim como a Jessica, ela também trabalha o plano de parto. Já na última reunião, ela conversa sobre a parte prática do parto, pós-parto, ensina como lidar com a dor e  mostra ao acompanhante o seu papel.

Além dos encontros com as suas gestantes, a paulista também faz reuniões com as gestantes da sua doula backup. Uma vez por mês, todas as gestantes que são atendidas pelas duas profissionais se encontram para participar de uma roda de conversa. Essa reunião é importante, para que, caso uma precise substituir a outra, já haja um vínculo entre a futura mãe e sua doula. 

Quando chega o momento mais importante da gestação, a doula vai para onde a mulher for e apoia desde o momento que as contrações ficam mais ritmadas e duradouras até a primeira amamentação. “Depois do parto, incentivamos o contato pele a pele, independentemente da via de parto. Cuidamos para que a mulher se sinta o mais confortável e segura possível”, diz Flora.

Dificuldades, benefícios e significado de ser doula

Assim como qualquer profissão, ser doula também tem seus lados bons e ruins. Mas segundo as duas personagens nessa profissão, os benefícios pesam mais. 

Flora e Jessica concordam que estar disponível 24 horas por dia para atender as gestantes é a maior dificuldade da profissão. Primeiro, por motivos óbvios, porque nenhum ser humano consegue estar disponível esse tempo todo -- precisa descansar, tem imprevistos, como ficar doente... Além disso, precisam ter um tempo para lazer e cuidar de seus filhos pequenos.

A Flora tem o Ravi de 3 anos e a Maria Flor de 5 anos, mas pode contar com a ajuda do marido e da mãe para socorrê-la quando sai para atender um parto. Já a rede de apoio da Jessica, que cuida dos filhos Pedro, de 4 anos, e a Cecília, de 2  anos, de segunda a quinta, não é tão fixa. Se ela precisar atender algum parto de madrugada, terá que ver se os seus pais ou o pai dos filhos estão disponíveis para ficar com os pequenos. 

Segundo a Jessica, ser empreendedora é um lado bom e ruim de ser doula. “O meu produto sou eu mesma. Tem o peso do lado negativo, de que se eu não faço, não tenho. E por ser a dona do meu negócio, mudo quando acho que preciso.” 

Crédito: Arquivo pessoal

A influência de poder criar outras mulheres ativistas através do Instagram é outro ponto positivo super importante para ambas as doulas. “A gente estimula muito o protagonismo da mulher, dela escolher quem ela quer, a equipe, a sua doula", diz Flora. 

Profissionalmente, para a Jessica, ser doula é poder apoiar mulheres. “Mesmo que a gente coloque a gestação como momento de muito poder, também é um momento de muito fragilidade, porque vivemos em um sistema que vende o contrário que estamos buscando: falta de informação, violência obstétrica, a indústria cesarista.”

Segundo ela, a empatia é uma das características mais importantes para ser uma doula. Cada vez que atende um novo casal, vê a oportunidade de ajudá-lo a ter uma experiência muito melhor do seu primeiro parto.

A Flora se sente realizada e completa trabalhando como doula. 

Crédito: Arquivo pessoal

“Se exerço esse papel tão importante é porque acredito nele e na transformação que ele pode oferecer às mulheres. A doula é uma educadora, ensina sobre fisiologia e plano de parto, as recomendações e evidências científicas mais atuais para que a mulher tome as suas decisões.” 

E você conhecer mais sobre o trabalho da Jessica e a Flora no Instagram. 


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