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Adoção Tardia: Conheça as histórias das famílias criadas a partir deste ato de amor

        Há exatos 12 meses, dei início a essa matéria sobre adoção. O tema sempre me chamou a atenção por ser algo complexo, cheio de mitos, preconceitos e curiosidades envolvendo pessoas, famílias, crianças e lares. Com o objetivo de trazer luz à temática, passei a procurar fontes que pudessem falar um pouco sobre o tema.
        No dicionário, a palavra “adoção” significa “aceitação espontânea de pessoa como parte integrante da vida de uma família, de uma casa”. Essa premissa realmente não poderia ser mais verdadeira. No período em que realizei as entrevistas pude conhecer de perto a realidade das famílias que adotaram e das crianças que foram adotadas, além ver a realidade das outras pessoas envolvidas com projetos de adoção. Com elas aprendi que adotar é muito mais que um simples ato corriqueiro, é um ato de amor, de aceitar e ser aceito, e assim criar ou fazer uma família crescer.  
        No Brasil, o número de crianças que estão na fila para serem adotadas chega a 5 mil. Na outra ponta, o número de pretendentes também passa da casa dos milhares: já são 38 mil, segundo os dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Se o número de interessados é 7 vezes maior do que os que estão em abrigos e casas lares, por que a conta não fecha? De acordo com o que ouvi dos meus entrevistados, isso acontece principalmente por conta do preconceito. Os futuros adotantes têm medo, muitas vezes por falta de conhecimento, de receber em sua família uma criança maior de 7 anos, porque ela já terá suas próprias manias, vai se lembrar da antiga família, e consequentemente não se adaptará à nova casa. 
        Para a assistente social Juliana Marcon, que adotou a Bianca quando ela tinha 9 anos, as dificuldades enfrentadas como uma criança adotada seriam iguais às que ela enfrentaria se tivesse um filho biológico - afinal, cada fase da vida de uma pessoa tem conflitos específicos. “Quem tem dificuldades somos nós, adultos, de não saber manejar, não saber como agir quando as crianças pedem limites e a gente não dá.” 
        A história de amor entre mãe e filha começou nos primórdios de 2015, quando Juliana viu a foto da sorridente Bianca pela primeira vez. Mas o sonho de ter uma família como mãe solo já fazia parte da vida da Juliana muitos anos antes. “Sou solteira e sempre disse que se eu não casasse até os 40, eu queria adotar uma criança. Eu tinha isso dentro do meu espírito. Em 2014, quando fiz 50 anos, tinha realizado já alguns projetos de vida, veio de novo essa ideia. Me inscrevi no fórum, levei a documentação, fiz ali um curso que todos os pais adotantes no Instituto Filhos faziam e fiquei aguardando ser chamada para a entrevista.” 
        Enquanto a sua tão sonhada filha não chegava, a assistente social fez uma limpeza na alma e na mente, para que pudesse receber essa nova integrante não só na sua casa, mas principalmente em seu coração. Uma amiga que trabalhava em casas-lares foi a responsável por trazer Bianca até Juliana. Todos os processos ocorreram de forma rápida e organizada, desde a liberação do processo pelo Juiz até o início do período de convivência entre as duas. 
        O primeiro ano de mãe e filha foi o mais difícil, não porque a adotada tinha mais de 7 anos, mas pelas dificuldades que Bianca tinha: déficit de atenção e de dicção. Males que com certeza poderiam acometer qualquer criança. Após a menina ser atendida por especialistas, a familiaridade foi crescendo e a história de amor dessa nova família passou a ser escrita.

Legenda: História de amor correspondido entre adotante e adotada

        Nadando contra a maré de desencontros entre adotantes e adotados está o grupo Adoção Tardia. A fundadora do projeto, Simone Uriartt, conta que a ideia surgiu porque ela queria fazer um trabalho de conclusão de curso que fosse relevante e trouxesse mudanças para as pessoas. Por isso, a estudante de design visual decidiu fazer um TCC que desmistificasse “o problema” de adotar crianças com mais de 7 anos. 
        O projeto Adoção Tardia cresceu e se tornou patente, e desde 2015 conta por meio de vídeos no YouTube as histórias das famílias formadas através da adoção, servindo de instrumento para ajudar grupos de apoio à adoção em vários lugares. Além de mostrar como as famílias são concebidas, o projeto visa auxiliar os adotantes antes, durante e no pós-adoção. E aos poucos, de uma maneira bem especial, vai mudando o cenário da adoção no País. Se você quiser entender mais sobre o projeto e sobre a história da Juliana e Bianca, acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=2SHEwP-kL24.
        Para Simone, além do preconceito em adotar alguém que já tem uma história com outra família, um mito que paira sobre a temática da adoção é o de ser um processo muito burocrático. “O que existe hoje de burocracia é para assegurar que essa criança e adolescente não caia numa família louca, e para garantir o bem-estar e a segurança dela. Esses documentos são básicos, para se habilitar para adoção são comprovantes de residência, de renda.”
        A fim de estimular a reflexão sobre o tema adoção e de preparar famílias interessadas em adotar crianças e adolescentes, um outro projeto foi criado em 2012 também no Rio Grande do Sul, o DNA da Alma. Essa necessidade foi percebida quando Rejane Comim e Vanusa de Oliveira trabalhavam na Casa Lar de Farroupilha (RS). Diariamente a assistente social e a psicóloga entravam em contato com casais que queriam adotar, mas que estavam totalmente despreparados. Assim, montaram o projeto e passaram a dar informação e a preparar as famílias que queriam adotar através de encontros mensais e palestras.
        A psicóloga Kelin Patzlaff, que foi convidada para fazer parte enquanto ainda era estagiária da mesma Casa Lar que as fundadoras trabalhavam, fala mais sobre o funcionamento do DNA da Alma. “Os encontros acontecem uma vez por mês, são abertos à comunidade e às pessoas que têm interesse e desejo de adotar, estão na fila de espera e já adotaram. Em cada encontro a gente aborda um assunto específico sobre adoção. As reuniões são um espaço de troca de vivências, aprendizado e orientação, mas o objetivo principal é mostrar a realidade, os lados bons e ruins, que terão dificuldades, e é difícil, como em qualquer filiação, seja ela biológica ou adotiva.”
        Para ela, essas reuniões deveriam ser obrigatórias para todos, quem deseja adotar e quem já adotou, porque mesmo depois da adoção acontecer os envolvidos no processo também terão angústias, dificuldades e aflições, que se forem partilhadas com especialistas, vão ficar mais leves e fáceis de serem vencidas. 
        
A família Bonalume

        O escrevente Jorge Paulo Bonalume, hoje presidente do DNA, não teve um grupo para ajudar ele e sua esposa durante o período em que adotaram os três filhos. “As minhas adoções foram antes do DNA da Alma e hoje eu entendo que os benefícios que o grupo traz são muito grandes.” 
        A ideia de adotar nunca chegou a vir, mesmo nos momentos de planejamento de formar uma família com a namorada, Andreia, há mais de 25 anos. A primeira oportunidade de adoção surgiu na história do casal antes mesmo deles se casarem. “A Pâmela tinha um ano de vida e ela já tinha sido abandonada várias vezes, por isso veio para nossa casa com uma infinidade de crises existenciais. Aquela menininha linda foi colocada no nosso colo, a gente acabou a adotando.”
        Depois de alguns anos o casal decidiu adotar seu segundo filho, mas dessa vez veio de um modo diferente. Eles resolveram seguir o exemplo de uma das amigas, que tinha passado a Páscoa com uma menina da Casa Lar. Então, durante o final de semana do feriado do ano seguinte, ficaram com um possível adotado, um menino que tinha entre oito e nove anos. A Páscoa passou e Alencar continuou no seio da família Bonalume, porque sem perceber, eles tinham se apaixonado por esse doce menino. “No domingo de noite em que a gente tinha que levá-lo novamente à Casa Lar, foi um processo muito desgastante, sofrido. Passei uma semana sem dormir, sem me alimentar. Até que numa quinta-feira de madrugada a minha esposa disse: ‘tá bem, tu não tá conseguindo viver mais sem o moleque, nós vamos lá buscá-lo.’ Na sexta de manhã eu estava buscando ele na Casa Lar e ele está conosco até hoje.”
        A terceira adoção aconteceu apenas depois de um ano. Andreia e Jorge procuraram novamente a Casa Lar e adotaram Andressa, de quase 10 anos. O amor cresceu junto com a família de cinco. O escrevente diz que não somente ele e a esposa adotaram, mas que foram adotados pelos filhos que tanto amam. E se pudesse, passaria por todo o processo novamente. “A adoção é possível, maravilhosa e gratificante. Sofremos algumas decepções, tivemos muitas alegrias, mas filhos são isso. A nossa vida de casal com os nossos filhos não foi nada diferente dos casais com filhos biológicos.” 
        Quando perguntado sobre a diferença, se tivesse escolhido ter filhos biológicos ao invés de adotá-los, ele conta que a única diferença seria o tempo que passaria com descendentes, afinal a filha mais jovem de 18 anos já está saindo de casa para se casar, e começar uma nova família. Com o coração cheio de amor e realização, Jorge passa toda a sua experiência para outras pessoas que querem adotar, junto com as fundadoras e participantes do DNA da Alma.

Legenda: Da direita para esquerda, Rejane Comin, Jorge Bonalume, pai e filho por adoção Jaime e Carlos Arrarte

        
A adoção muda todos os envolvidos, mas, com certeza, a maior mudança acontece na vida daqueles que são adotados. 

        Simone, também tinha um motivo pessoal quando criou o Adoção Tardia: ela foi adotada muitos anos antes. “Se eu não tivesse sido adotada, não teria possivelmente estudado, feito faculdade, não teria tanta autoestima e confiança no que posso fazer e atingir desde que me esforce. Isso só foi possível porque eu estava sempre rodeada de pessoas que cuidavam muito bem de mim e me queriam muito bem, do jeito que eu era, respeitando o meu passado e sempre me ajudando com o meu futuro.” 
        Se o desejo de adotar também está em seu coração, fique atento às dicas dos participantes dessa linda história que acabei de contar para você.
        “O primeiro passo é buscar orientação, ir no fórum, saber como ocorre o processo de habilitação, mas o principal é se conhecer, saber o porquê deste desejo, conversar com a família, procurar grupos de apoio à adoção para trocar informações. Se necessário procurar ajuda do psicólogo antes, durante e no pós-adoção”, diz Kelin Patzlaff.
         “O conselho que eu dou é que as pessoas se abram, deixem o egoísmo de lado, entendam que essa criança vem com uma história, vai demandar um acompanhamento especializado para resolver os seus traumas. Eu sou muito agradecida à Deus e à Bianca, porque hoje eu sou muito mais feliz, muito mais realizada e nem sei te dizer o que isso significa. A Bianca é tudo na minha vida”, diz Juliana Marcon.

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