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“A leitura foi e é um abrir de portas para mim”

Como o aprendizado precoce da leitura transforma vidas

“Ler faz bem” é uma frase bem comum que passamos a vida escutando dos nossos professores. Mas ler faz bem exatamente para quê? Quais benefícios nós ganhamos quando lemos? Para a neuropsicopedagoga Kelly Dalmas, de 50 anos, a leitura vai influenciar todos os aspectos da nossa na vida. "A leitura é muito importante para o desenvolvimento da criança desde cedo, pois desenvolve a imaginação, as emoções e os sentimentos de forma prazerosa e significativa, podendo formar um indivíduo crítico, ativo, que compreende o meio em que vive e modifica-o de acordo com a necessidade.”

Se ler faz bem para o desenvolvimento da mente, assim como um exercício faz bem para o desenvolvimento do corpo, a partir de qual idade é indicado o aprendizado da leitura? Quais pré-requisitos uma criança deve ter para aprender a ler? Segundo Kelly, as crianças podem ser incentivadas desde pequenas, mas elas estarão prontas para a alfabetização entre 6 e 7 anos de idade. Existem casos raros, quando as crianças são superdotadas, em que elas aprenderão a ler antes desse período. 

Para que todo o processo de aprendizado da leitura comece, é necessário que a família, que é o primeiro contato que a criança tem com o mundo, a estimule para que ela aprenda a ler. Os primeiros estímulos podem começar com uma leitura para os filhos, enquanto eles ainda são bebês. Com o passar do tempo, eles vão ter mais vontade de ouvir histórias e depois vão querer ler as próprias histórias. 

Os candidatos a leitores precisam ter habilidades visuais e auditivas. Quando essas habilidades são integradas e desenvolvidas uma com a outra, o processo da leitura acontece naturalmente. As crianças ouvem seus pais e professores lendo, depois passam a repetir o que escutam e, ao mesmo tempo desenvolvem o lado motor. Aos poucos, e com muitos estímulos e repetições, as etapas da leitura e da escrita vão acontecendo.

Mas criança que é a criança, gosta mesmo é de brincar, e quando as brincadeiras, na verdade, são processos de ensino da leitura, ela pode virar um “prodígio”, como foi o caso da Laura Pellegrini Abrão. Com pouco mais de 10 anos, ela já bateu o recorde de muitos leitores profissionais, e chegou à marca de 300 livros lidos. No caso da Laura, o que realmente conta não é a quantidade, mas sim a qualidade. A leitura deixou de ser apenas ficção para fazer parte da sua rotina.



Foi através de brincadeiras que a ex-babá da Laura, Nilda Carvalho, de 62 anos, a ajudou trilhar o caminho da leitura. No início, quando a Nilda chegou na casa dos pais da Laura, o engenheiro civil Guilherme Semensato Abrão, de 43 anos, e a pediatra Juliana Barbosa Pellegrini, de 38 anos, ela já falava que a pequena aprenderia a ler rapidamente com apenas 4 anos, assim como o seu filho tinha feito. A mãe da Laura não acreditava que aquela proeza, da qual ainda não tinha ouvido falar, realmente aconteceria com a sua primeira filha, mas a falta de fé acabou bem rápido. “A Laura, com 1 ano e pouco, já sabia os nomes das letras, que tinha aprendido com os brinquedos de palavras que a Nilda brincava com ela. Entre 2 e 3 anos, ela já formava as sílabas, e com 4 começou a aprender a ler.” 

Os pais tentaram encarar a situação com normalidade e incentivaram o desenvolvimento desse amor pelos livros. “Isso é uma coisa da Laura, a gente nunca forçou, era uma coisa que ela demandava e gostava. Ela tem a sorte por ter o gosto da leitura”, diz o pai orgulhoso da Laura. O orgulho e o incentivo continuam firmes e fortes na vida de Juliana e de Guilherme, porque eles não querem que esse amor pelos livros se acabe. Afinal, é um hábito que nem todas as pessoas têm na vida. 

Samuel tem 12 anos também aprendeu a ler antes dos 7 anos. Além desse aprendizado precoce da leitura, os dois jovens têm muitas outras coisas em comum. Os dois querem fazer direito, ela quer ser juíza e ele advogado. A Laura começou a ler com 4 e o Samuel com 5 anos. Os dois amam ler, e como integrantes de uma geração tecnológica que são, gostam de ver vídeos no YouTube e de jogar videogame, mas garantem que o passatempo favorito há mais de 6 anos no caso dela, e mais de 7 no caso dele, continua sendo a leitura.  

Para eles, os benefícios da leitura são muitos, mas o crescimento do vocabulário, a melhora nas suas argumentações diárias, a boa escrita e a interpretação de texto, são os que mais os acompanham na vida escolar. Ser exemplo para outras salas faz parte da rotina da Laura e do Samuel, porque eles sempre foram diferentes dos outros estudantes. E como consequência desse diferencial, eles ganharam o apelido de “nerds” dos seus amigos. Mas esse estereótipo nunca os incomodou, muito pelo contrário, eles gostam bastante.

“Eu conheço pessoas que leem até mais do que eu, e elas falam muito bem, conhecem palavras novas. Quando pedem para eu escrever um texto, eu escrevo uma quantidade a mais do que tinham pedido, e percebo que as pessoas têm dificuldade de escrever o mínimo que é pedido”, afirma Laura. 

O pensamento do Samuel não é muito diferente. “Acho que a leitura vai ajudar bastante na minha vida, porque eu sei que vou ter que ler muito na faculdade. Gostar de ler vai me ajudar a gravar as coisas, guardar informações que eu precise quando estudar”.

Assim como os pais da Laura, os pais do Samuel incentivaram o gosto pela leitura na vida dele, desde que era um bebê. Apesar da rotina atribulada, a bancária de 40 anos, Renata Fernandes da Luz, e o gerente de venda de 45 anos, Greivan Luz, sempre achavam um tempinho para ler para os filhos. “Quando ele era pequeno, a gente lia um pouco para o Samuel e para Ana, a irmã dele que tem um ano de diferença. Lia bastante a Bíblia infantil, que tinha figuras e aquelas letras maiores.”

Diferente da Laura, que entrou na escola com 3 anos, o Samuel entrou na pré-escola com 2 anos, e, aos poucos, em casa e na escola, ele foi aprendendo a juntar as sílabas. Quando os pais se deram conta, já havia aprendido a ler. “A gente não contava, mas quando tava perto de alguém e ele lia, as pessoas falavam ‘nossa, ele já lê’, e elas ficavam admiradas porque ele só tinha 5 anos. Quando ele estava na primeira série, era a única criança que lia, e ajudava todas as crianças a lerem” diz a mãe do Samuel.

Os pais da Laura tentaram criar outros hábitos na vida dela, como a dança e a natação, mas todos os caminhos pareciam levar ao mesmo ponto final, a livraria. “Eu amava a natação porque ficava do lado do shopping, então era uma oportunidade de ir na Livraria Cultura. Aliás, a maioria das vezes que eu peço para ir no shopping é para ir na Cultura”, conta Laura aos risos.”

A Laura gosta tanto de ler que não consegue escolher um livro favorito entre todos os que já teve a oportunidade de conhecer. Mas existem obras que marcaram sua pequena vida, como “O Diário de uma Garota Nada Popular”, que foi o primeiro livro com muitas páginas (mais de 300) que ela leu. Já o estilo de livros preferidos, ela é assertiva, gosta de livros de aventuras. 

Já o Samuel gosta de livros de ficção e suspense, e o nome do livro favorito está na ponta da língua, “A Droga da Obediência”, de Pedro Bandeira. “Eu gostei muito desse estilo de livro, porque ele conta a história de garotos que investigam. Também gosto muito de ler a Bíblia e os livros que passam na escola. Quando a professora pede para ler uma parte do livro, eu leio ele inteiro, para que na hora de responder as perguntas, eu já saiba as respostas. A leitura é legal porque quando você lê algo que já viu, como no livro Star Wars’, você imagina ele no filme.”


Nem tudo o que é demais na vida realmente faz mal, pelo menos é o que a neuropsicopedagoga fala sobre a leitura. Tudo é válido de ser lido e não existe tempo, ou quantidade ideal para cada criança e adulto. O certo é que a gente leia todos os dias, seja na escola ou no supermercado. Mas quando a gente separa um tempo para ler diariamente, é óbvio que a gente vai estar se auto-estimulando cada vez mais. Quanto mais leitura, mais cultura. Quanto mais cultura, mais você consegue discernir o meio em que você está vivendo. 

Mas ler nem sempre é um processo que acontece no mesmo tempo para todas as pessoas, entre 6 a 7 anos, já que nem todos os seres humanos são incentivados pela família e pela escola, e nem sempre passam por todos os processos da alfabetização, que termina até os 8 anos. O tempo que a criança leva para ser alfabetizada, se ela não tiver nenhuma outra coisa que impeça, vai depender do estímulo, do desempenho dela e da vontade. 

Como todas as regras, o aprendizado da leitura tem suas exceções. Existem casos mais complexos como os transtornos de aprendizagem que atrapalham o ensino da leitura. “Existe o TDAH, que é um o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, que afeta a atenção ou a atividade motora da criança, que fica hiperativa, e aí ela não consegue focar a atenção dela. Também existe o TEA, o transtorno do espectro autista, que, dependendo do nível, a criança consegue ou não falar e ser alfabetizada.”

Para perceber esses transtornos, é preciso ficar atento a como se dá a aprendizagem dessa criança, para que seja desenvolvido um plano de estudo para ela. E esse plano deve ser desenvolvido por profissionais como a Kelly, que diz que, além de conhecimento dos casos, é preciso tratar cada criança como única e mostrar que você se importa com ela, com paciência e amor. 

É através dessas ferramentas e de um consultório cheio de jogos, desenhos e brinquedos, que a Kelly transforma crianças em leitoras cheias de segurança, autoconfiança e que adoram aprender. “Cada vez que eu vejo que estou acertando, eu choro. A gente vê uma mudança de ciclo de desenvolvimento da criança, eles evoluem, evoluem e evoluem. Eu incentivo a autoestima com frases ‘você consegue, vamos lá, vamos fazer o desenho dessa letrinha, vamos fazer isso, aquilo’. E quando a criança faz, eu aplaudo, dou parabéns e sempre estimulo.”



Quem pensa que os benefícios da leitura só atingem as pessoas que aprendem a ler, está muito enganado. Ensinar a ler é uma realização para a neuropsicopedagoga , Kelly Dalmas. “A minha profissão é pegar aquele ser humano em desenvolvimento, cheio de dificuldades e transformá-lo em um profissional, numa pessoa íntegra, que sabe ler e escrever. Mas o meu trabalho sozinho não vai. Eu sempre vou precisar do apoio da escola, da família e de outros profissionais. Quando tem uma equipe trabalhando em prol dessa criança, ela cresce muito rápido.”


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