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Mulheres superam medos de dirigir em escolas para habilitados

Todo ser vivo sente medo, alguns sabem o que temem, outros só descobrem quando passam uma determinada situação, outros desenvolvem medos após sofrerem acidentes, que deixam marcas físicas e emocionais. Se o medo não é tratado, ele acaba paralisando a sua vítima e a impede de realizar aquela determinada atividade novamente.

Entre os medos que mais paralisam as pessoas está o medo de dirigir. Esta é uma atividade que exige muito dos seus habilitados, e também envolve a vida de diversas pessoas. Homens e mulheres têm medo de dirigir, mas o maior público que sente esse medo, segundo Neuza Corassa, psicóloga especializada no medo de direção e autora do livro “Vença o medo de dirigir”, são mulheres com idade entre 30 e 45 anos. Elas correspondem a 80% das pessoas que têm medo de dirigir.

Para ajudar as pessoas a vencerem seus medos de dirigir, foram criadas as escolas para habilitados, como a Dirigindo Bem. A escola está presente em 10 estados brasileiros e só na cidade de São Paulo tem 8 unidades. Nesses locais, instrutores e psicólogos ensinam os motoristas a ganharem experiência na direção e a vencerem seus temores com aulas, atendimento e conversas.

Para Ester Torres do Nascimento, que é psicóloga e administradora da Dirigindo Bem da unidade de Santana, a falta de prática na direção de automóveis está ligada diretamente ao medo de dirigir. A principal causa desse problema é a quantidade mínima de aulas que as auto escolas dão aos seus alunos, cujo objetivo principal é a preparação para passar na prova prática, e não a preparação para o dia a dia nas ruas.

Não existe quantidade ideal de aulas para que os alunos da Dirigindo Bem aprendam a dirigir de verdade e ganhem a prática necessária para enfrentar o trânsito diário. Isso acontece porque cada pessoa tem sua dificuldade, e, para Ester, não existe diferença no modo de aprender de homens e mulheres. Na verdade, tudo vai depender de quando o instrutor e a psicóloga da Dirigindo Bem descobrem os motivos que impedem o aluno, ou a aluna, de dirigir, e também da aprendizagem que cada um tem nas aulas. "A gente já teve alunos que fizeram mais de 100 aulas, porque tinham mais dificuldade, menos motivação. Em geral, nossos alunos fazem de 25 a 30 aulas."

Dentro das aulas, os alunos praticam diversos tipo de exercícios. No módulo básico, os habilitados aprendem a dominar itens essenciais: troca de marcha, a ter noção de espaço e a fazer curva. No nível intermediário, os instrutores trabalham com as manobras, aula de ré, estacionamentos e baliza. Por fim, no nível avançado, o aluno passa a fazer aula no próprio carro, se ele tiver, e também pratica a direção no trânsito pesado da Marginal Tietê/Pinheiros e das rodovias. Se o aluno desejar, o instrutor o acompanhará em trajetos comuns do seu dia a dia.

Nos últimos meses houve um aumento de mulheres procurando aulas para praticar a direção na Dirigindo Bem de Santana. Segundo Ester, elas têm procurando mais porque estão ficando saturadas de depender de outras pessoas para chegar aos seus destinos, e também porque querem ter mais facilidade em suas rotinas, como levar os filhos para a escola, ou para ir e voltar do trabalho.

A busca por liberdade e pela facilidade levou Ana Paula, bancária de 28 anos e mãe do Cauê, de 6 anos, para a escola Mulheres Habilitadas. Ela tirou a carta de motorista quando fez 18 anos porque achava incrível a liberdade que as pessoas tinham quando sabiam dirigir. Mas por não ter carro na época, Ana Paula acabou não dirigindo o tempo suficiente para adquirir a experiência necessária. "Assim que peguei minha habilitação, queria juntar um dinheiro e comprar um carro, mas outras prioridades apareceram e fui deixando esse plano para trás." Com a falta de prática, veio o medo de dirigir sozinha, mesmo não tendo sofrido nenhum acidente ou trauma. Seus medos eram causados pelos tamanhos de caminhões e ônibus, e o receio de esquecer quando deveria trocar a marcha do carro, em lugares como a movimentada Marginal Tietê/Pinheiros e as íngremes ladeiras.

Além desses medos mais comuns, a comparação e as críticas são outras ações que traumatizam e impedem as mulheres de dirigir. Para Uziel Ferreira Coelho, instrutor da Dirigindo Bem, isso acontece porque o pai ou marido quer ensinar a mulher a dirigir, mas não tem paciência e nem a preparação necessária para fazer esse tipo atividade. "Ele vai cobrar de você (mulher) do jeito que ele faz. Ele não vai respeitar os limites dela, e a pessoa vai ter mais dificuldade."

As dificuldades das mulheres não acabam depois que começam a fazer aulas e adquirem experiência na Dirigindo Bem. Para Uziel, na hora de colocar o que aprendeu em prática e dirigir o carro da família, a mulher se depara com o machismo e os ciúmes dos seus cônjuges e familiares. "O brasileiro tem apego ao veículo, como custa caro é um status, desde criança pensa em ter um carro. O marido tem ciúmes da esposa também, porque quando só ele dirige, ela fica dependente, ele tem um controle sobre a mulher. Não quer que vá sozinha a nenhum lugar."

A analista de fraude Priscila Aparecida Conceição, de 30 anos, encontrou esses e outros tipos de dificuldades, como os gritos, quando começou a dirigir. Para ela, dirigir significava independência porque apesar do pai não se importar de levá-la a todos os lugares que desejava, Priscila queria andar sozinha pela cidade. Por isso, aos 27 anos ela tirou carta de motorista, mas seu destino como habilitada durou pouco tempo. Depois que passou na prova prática do Detran, comprou um carro novo e dirigiu pouquíssimas vezes em trajetos pequenos, até parar de dirigir, após uma trágica batida.

Em 2013, por conta da falta de habilidade em dirigir, Priscila bateu o carro quando entrava na garagem de casa. "A garagem de casa é bem estreita e estava tendo uma festa na vizinha, e tinha uma criança bem na frente de casa, e para desviar dela eu acabei pegando na ponta do portão. O lado do motorista ficou todo riscado. Meu vizinho desligou o carro, falava para eu sair do carro, mas eu não conseguia sair, minha visão escureceu, e eu tremia bastante. Fiquei 6 meses sem olhar para carro, não assinei o seguro para consertar a batida, só queria vender."

Mas quando ela engravidou, depois de 3 anos do acidente, Priscila resolveu enfrentar seus medos e procurou uma escola para habilitados. Encontrou o apoio e ajuda que precisava na psicóloga Ester e no instrutor Uziel, da Dirigindo Bem. Em 17 aulas, a analista de fraudes superou os seus bloqueios, aprendeu a ter mais cautela no trânsito e a superar o mundo machista, que diz que mulher não serve para dirigir.



Para ministrar as aulas, Uziel é cuidadoso e paciente, mas também é firme, para que os alunos não acomodem-se e parem de evoluir com as lições. "O aprendizado acontece um passo de cada vez para que o aluno possa se desenvolver. Se ele está com dificuldade no volante e a gente está treinando saída, nós não procuramos corrigir muito o volante. A gente começa explicando bem e depois deixa ele fazer sozinho, e nesse caso evita falar. Em caso de erro, vai corrigindo, para ele poder entender o que está fazendo. Se o aluno tem medo de um certo local, eu começo a ir andando com ele, dou umas voltas, e quando menos espera, ele está naquele local. A gente faz o caminho várias vezes, até ele começar a fazer certo.”

Para a psicóloga Ester, quando existe o apoio, a mulher enfrenta melhor as situações difíceis das aulas e atinge um resultado melhor do que quando não tem apoio. O instrutor afirma que essa prática acontece raramente com suas aprendizes. "A maioria das mulheres faz a aula escondido, porque já teve aquele desentendimento e ela tem medo, porque quando o marido descobre, ele vai começar a cobrá-la. Quando não tem o apoio, a aluna fica retraída."

Para Priscila, o apoio demorou mais para chegar. Durante as primeiras aulas o pai questionava porque ela queria dirigir e não apoiava tanto. Mas depois que a analista de crise ganhou habilidade, o pai começou a incentivá-la a dirigir sozinha.

Se engana quem pensa que as aulas para habilitados só muda a vida dos alunos. Uziel conta que eles viram mais do que aprendizes, se tornam amigos. E a psicóloga e o instrutor ficam muito felizes sempre quando os alunos passam lá e dizem que estão dirigindo e colocando em prática tudo o que aprenderam. Eles ficam com a sensação de dever cumprido.

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