Pular para o conteúdo principal

Depois das grades: Quais são os obstáculos que ex-presos enfretam para voltar à sociedade?

Tudo o que se faz na vida tem consequência. Ela pode ser tão boa quanto ruim. Isso não é nenhuma novidade. Essa verdade faz parte da vida de todas as pessoas desde o princípio da humanidade. No nosso cotidiano, quem comete um crime recebe uma condenação, sim. Mas assim como todo cidadão, ele ainda tem direitos e deveres.

Depois de cumprir sua pena, esse ex-preso, o chamado egresso, que tentará egressar na sociedade tem seus direitos e deveres cumpridos? Quem se arrependeu e pagou por seus delitos, consegue conquistar a segunda chance que quer e precisa?

Esses temas não costumam estar nas capas e nos destaques dos jornais, mas não deixam de acontecer. Só que às vezes ninguém sabe, ou nem tem interesse em saber.

Você já se perguntou o que acontece depois das grades?

Especialistas e egressos que foram entrevistados pelos alunos de jornalismo Rebecca Vettore e Lucas Carvalho contam como é essa situação.

“Outro problema para o egresso conseguir emprego é o preconceito. Quem tem coragem de contratar um egresso? Às vezes eles falam pra gente: ‘tô trabalhando lá, mas não falo que sou egresso’. Se em algum momento pesquisarem por antecedentes criminais e descobrirem que o cara foi egresso, manda embora sem motivo nenhum. Por não confiar” José Antônio Gonçalves, superintendente da Funap.

“A gente não deve empurrar tudo para o estado, ele pode promover campanha de conscientização da sociedade, mas não pode oferecer emprego de mão beijada. O egresso tem que se movimentar. Poderia se trabalhar com a resistência social.” Alvino Augusto de Sá, um dos fundadores do Grupo de diálogo unidade-cárcere-comunidade da USP

“Eu tenho para mim que o egresso, muitas das vezes, não está pronto para voltar para o mercado de trabalho, e nem a sociedade está pronta para recebê-los. A mídia e os meios de comunicação vendem uma ideia de que  quem cumpriu pena é uma pessoa de quem se deve ter medo.” Emerson Ferreira, ex-coordenador da ONG Segunda Chance

“Existe uma dificuldade, mas nem vou dizer que é pelo parceiro, a empresa, é mais referente a eles mesmo. Porque você não consegue ensinar a pessoa ter um comprometimento, se ela nunca soube o que é isso. Muitas das vezes, você tem que ensinar as pessoas a perder aquela cultura que adquiriu a vida inteira, para ela ver que existe uma forma de ganhar dinheiro de uma forma decente, que existem outros caminhos.” Edilaine Daniel, diretora do Centro de Integração da Cidadania Oeste.

“Eu acho que, a partir das ONGs, diminui muito a criminalidade, porque elas  cuidam  das  pessoas  que  realmente querem trabalhar e sair do mundo do crime. Tem muitos que não saem porque não têm a oportunidade de arrumar um trabalho digno. A pessoa precisa viver, e as únicas coisas que ela sabe fazer é roubar, traficar, é fazer as coisas erradas.” Rogerio de Moraes, cumpriu pena de 10 anos.

“Conseguir um emprego representa eu conseguir organizar a minha vida, uma mudança. Não só pelo fato de eu não querer mais voltar para o presídio, mas para eu me manter vivo. Porque eu gosto da minha vida, e já passei por várias situações em que, se não fosse a mão de Deus, eu nem estava mais aqui. Eu preciso também dar um motivo para minha mãe se sentir bem, não se sinta decepcionada como já se sentiu.” Ezequiel Lopes, ficou preso por 4 anos e 5 meses

“Fazia as entrevistas e perguntavam onde eu estava durante 15 anos. Dava desculpas, mas a empresa achava a minha ficha e não ligavam para dar o retorno. O preconceito é muito grande nas empresas, e preconceito e confiança  não combinam”. Antônio Santos, ficou preso por sequestro.

“Até ser preso, eu era a favor da pena de morte. Sim, isso mesmo. Como 99,99 % da população brasileira. ’Atira o vagabundo numa cadeia e deixa morrer lá’.  Nossos presídios não são casas de recuperação, mas masmorras.”, Luiz Carlos Butier, egresso e fundador da ONG Fui preso.

“A gente fala muita nessa questão, mas não é só o preso, tem a sociedade também que não quer que o preso volte. A gente sabe que o cárcere é muito a realidade de jogar debaixo do tapete. Então, é população que tá sobrando, que não tá fazendo diferença nenhuma, que pode sumir da frente da sociedade, chamada ‘sociedade de bem’. É muito fácil falar o que o preso tem que fazer para se reintegrar, mas muitas as vezes a gente não olha para o que a sociedade tem que fazer para incluir essas pessoas. Faltaram muitos direitos antes, claro que tem a parte do sujeito, ele tem algo a fazer.” Isabel Hamud, psicóloga.

“Você sai do presídio e entra em um maior. Só tem mais liberdade, de ir, mas você continua preso aos olhos do preconceito. Até hoje eu não sou honesto, eu tô honesto e tenho que me manter assim. Mas qualquer deslize que eu cometer, vão dizer ‘não falei? Uma vez ladrão sempre ladrão’. Eu não sou honesto aos olhos da sociedade, eu tô honesto. Não é ser, é estar.” Hermes de Sousa, egresso e um dos fundadores da ONG Nova União da Arte

Sobre esse tema ainda há muito o que descobrir e escrever. Até o presente momento, tem sido difícil e complicado, mas também apaixonante fazer esse livro-reportagem com meu parceiro, Lucas Carvalho.

Comentários